Museu de Arte Murilo Mendes | MAMM
“Farnese e as coisas que ele fez”
Na crônica dedicada a Farnese de Andrade, publicada originalmente no jornal Última Hora, em 1974, Rubem Braga, o jornalista “sabiá”, tece vários comentários sobre a obra e o fazer do artista. Seu texto ressalta, principalmente, a dedicação e esmero de Farnese na coleta e apropriação de elementos heterogêneos para a construção de suas assemblages e objetos, trabalhos reconhecidos como os mais significativos da obra do artista. Ao nomear a presente mostra, tomamos por empréstimo o título original da crônica de Rubem Braga com uma adequação de seu tempo verbal.
Aqui estão reunidas pinturas, gravura e objeto, em sua maioria provenientes de uma exposição individual de Farnese realizada em Juiz de Fora, em 1979, na Capela Galeria de Arte. Nessas pinturas, as figuras surgem de camadas escuras do papel por meio de um processo que o artista chamava de “tinta transformada”. A técnica envolvia fases distintas: primeiro, a figura era desenhada em nanquim preto; depois, no verso do papel, aplicava-se tinta aquarela misturada com um elemento químico que provocava a migração da tinta para a parte da frente, produzindo os efeitos e manchas desejados; posteriormente a imagem era impermeabilizada com camadas de cera.
Essa produção pictórica foi uma constante no processo de Farnese de Andrade durante toda sua vida artística. Talvez a razão principal, como ele mesmo sugeria, seria funcionar como um descanso mental, de maneira que o gesto pudesse fluir em liberdade quase automática, deixando que as mãos guiassem a criação enquanto a mente buscava uma pausa. No curta-metragem “Farnese”, dirigido e realizado por Olívio Tavares Araújo em 1970, é possível confirmar como o artista era ágil na produção dessas pinturas sobre papéis em comparação à maneira meditativa e complexa da criação dos objetos.
Nas gravuras o artista alcançou uma dramaticidade, configurada, principalmente, na plástica da composição. São obras alinhadas com processos identificados na arte abstrata pela vertente informal, seguindo uma orientação ligada às improvisações, às possibilidades de exploração de experiências derivadas de vivências e percepções pessoais.
A exposição também apresenta fatos agregados à pesquisa sobre a produção literária de Murilo Mendes. A capa da primeira edição do livro A idade do Serrote, de 1968, publicado pela Editora Sabiá, de propriedade de Rubem Braga e Fernando Sabino, traz a imagem de um objeto de Farnese de Andrade. Devido à fotografia ou ao processo de impressão, a capa apresenta uma imagem de baixa qualidade técnica, com pouco contraste e definição, tendo desagradado tanto ao artista quanto ao poeta. Documentos ligados a esse fato enunciam um percurso curioso, desde a definição da capa até a finalização do projeto gráfico, revelando questionamentos sobre os caminhos da ilustração artística na bibliografia do poeta Murilo Mendes.