Museu de Arte Murilo Mendes | MAMM
Nas fotografias, a altura que não vi, o rosto que não beijei, os olhos que não encarei, as mãos que nunca afagaram meus cabelos e os pés que o levaram ao nosso desencontro. Nos registros, seus amigos, seus parceiros e suas juventudes. Do tempo que passou, restaram escassas imagens e o fato de que a palavra também escreve encontros. Nada é palpável, tudo é palatável.
Passados 27 anos, refaço o caminho de antes de a corda ser puxada. Reconheço “a geração que deu certo” acreditando que fazer poesia era uma forma de enfrentamento. Ainda jovens, perceberam nos versos uma arma mortal. Abre Alas e D’Lira transpuseram a fronteira literária, ganharam as ruas e fizeram do papel um manifesto libertário.
Ali está meu pai – ao seu lado, escritores que persistiram, como Edimilson de Almeida Pereira, Fernando Fiorese, Iacyr Anderson Freitas, José Santos, Júlio Polidoro, Luiz Ruffato, Mutum e muitos outros –, a escrever. Seu golpe estava impresso. Sua ditadura era a da sensibilidade. Às muitas mãos, aqueles poetas foram marginais e absolutamente centrais.
Certos de que toda interpretação é labiríntica, leram os novos e também os velhos. Enxergaram a contemporaneidade de um Murilo Mendes que, a partir deles, retornou a Juiz de Fora que levou na mala para a Europa. Dialogaram com Adélia Prado, Leminski, Ana Cristina César, Gullar e tantos outros incendiários. Identificaram o país por trás das letras sempre disformes.
Mauro Fonseca, o jovem que aos 25 inseriu o ponto final de todos os muitos escritos, encontrou o silêncio. Filho de uma dona de casa e de um líder anticomunista, irmão de três e amigo de inúmeros, só foi pai através das páginas que deixou. O autor de poemas em guardanapos edificou seu legado no espaço subjetivo.
Entre a foto e o fato, entre o aborto e o parto, fez de tudo uma afirmativa. Nunca se deixou guiar pela interrogação ou pela exclamação. Foi certeiro. Não se tornou o escritor que perseguiu, mas fez de sua obra o retrato de uma geração. Não se prolongou, abreviou-se, mas fez de cada gesto uma performance.
Meu pai, esse das fotos, dos companheiros, dos textos, dos documentos e dos recortes, vive no que deixou. Nenhum desfecho é definitivo. E, ainda que lágrimas nunca sejam estanques, sempre haverá espaço para as recordações confortantes. Haverá as fotos, os fatos e os muitos partos. Estamos diante do sempre.
Mauro Morais
Jornalista e filho de Mauro Fonseca