Poemas 1925-1929. Juiz de Fora: Dias Cardoso, 1930.
Relatividade da Mulher Amada
Eu gosto de você com uma força bruta que não entendo bem.
Gosto quase tanto como de mim.
Mas que pena você não ser também minha filha.
Que pena você não ser minha filha, minha irmã e minha mãe, tudo ao mesmo tempo.
História do Brasil. Rio de Janeiro: Ariel,1932.
Fico
Eu fico, pois não,
Se a todos dou bem.
Preparem as mulatas,
Recheiem os p’rus,
Avisem os banqueiros,
Suprimam os chuveiros,
Me comprem mercúrio,
Afinem as guitarras,
Previnam o Chalaça,
Aprontem o troley,
Eu fico, mas vou
Falar com a Marquesa,
Já volto pra ceia.
Falando em comidas
Eu fico, pois não.
Tempo e eternidade. Porto Alegre: Globo, 1935.
Filiação
Eu sou da raça do Eterno.
Fui criado no princípio
E desdobrado em muitas gerações
Através do espaço e do tempo.
Sinto-me acima das bandeiras,
Tropeçando em cabeças e chefes.
Caminho no mar, na terra e no ar.
Eu sou da raça do Eterno,
Do amor que unirá todos os homens:
Vinde a mim, órfãos da poesia,
Choremos sobre o mundo mutilado.
O sinal de Deus. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1936.
O Homem e a Mulher
Desde Adão que as gerações se sucedem para te trazerem a mim.
Eu sou teu pai – teu filho – teu esposo – teu amante.
Sou teu oráculo e teu enigma.
Sou teu sacerdote e tua vítima.
Sou teu tirano e teu escravo.
Dedico-te templos, guerras, vinganças, a história e o ideal.
Eu te domino e tu me esmagas.
E por ti sou capaz de abjurar meu Deus.
A poesia em pânico. Rio de Janeiro: Cooperativa Cultural Guanabara, 1937.
A Esfinge
Ó Deus
Eu nasci para ser decifrado por ti.
Com um pé no limbo, o coração na estrela Vênus e a cabeça na Igreja
Espero tua resposta desde o princípio do mundo.
Também tu nasceste para mim:
Com tua medalha ao peito, para não esquecer minha origem,
Percorro arfando este deserto.
A palavra definitiva deverá surdir de teus lábios
Ao menos no instante da minha morte.
O visionário. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1941.
Mulher em Três Tempos
Minha boca está no presente,
O meu olhar, no passado,
Meu ventre está no futuro.
Minha boca toda a noite
Está na boca amorosa
Do meu marido atual,
Meu olhar está no olho
Do meu namorado antigo,
Meu ventre está no futuro
Do corpinho do meu filho.
As metamorfoses. Rio de Janeiro: Ocidente, 1944.
Começo de Biografia
Eu sou o pássaro diurno e noturno,
O pássaro misto de carne e lenda,
Encarregado de levar o alimento da poesia e da música
Aos habitantes da estrada, do arranha-céu e da nuvem.
Eu sou o pássaro feito homem, que vive no meio de vós.
Eu vos forneço o alimento da catástrofe e o ritmo puro.
Trago comigo a semente de Deus… e a visão do dilúvio.
Mundo enigma. Porto Alegre: Globo, 1945.
Memória
[…]
Tatuagens
… Para que o invisível se manifeste.
Para que o relógio possa falar
E os anjos operadores
Descansem da tarefa
De mudar crueldade em ternura.
O discípulo de Emaús. Rio de Janeiro: Agir, 1945; 2.ed.1946.
O Discípulo de Emaús
“O difícil não é encontrar a verdade: é organizá-la.”
Poesia liberdade. Rio de Janeiro: Agir, 1947.
A Outra Infância
[…]
O menino que também brincou de roda
Seria mesmo eu? Creio que não.
(Viramos crianças
Ao imaginar a criança que não fomos.)
Já era outro menino, já pensava,
Iluminando-me com duas luas
– Uma na cabeça.
Janela do Caos. Paris: Imprimerie Union, 1949.
Tobias e o Anjo
[…]
Nunca estaremos sós: pássaros e máquinas,
Vegetais marchando, espíritos desencadeados
Serão para sempre nossos cúmplices.
Do pálido asfalto
Se levanta a morte.
Jamais te encontrarei,
Adeus, invisível mundo.
Contemplação de Ouro Preto. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura/Imprensa Nacional, 1954.
Montanhas De Ouro Preto
[…]
Relíquias de dureza e de doutrina,
Rude apetite dessa coisa eterna
Retida na estrutura de Ouro Preto.
Poesias (1925-1955). Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959.
Dilatação
Minha filha,
o meu corpo ficou maior do teu corpo.
A minha alma ficou maior da tua alma.
Nasci outra vez com teu nascimento.
Siciliana. Caltanissetta-Roma: Sciascia, 1959.
Atmosfera Siciliana
[…]
O sexo explode. Presságios
Respira o deus nas alturas:
Tantas mulheres de negro
Velam a própria juventude.
Ai trabalho, áspera vida
Para o homem, cavalo do homem,
E áspera para o cavalo.
[…]
Tempo espanhol. Lisboa: Morais Editora, 1959.
Numancia
Prefigurando Guernica
E a resistência espanhola,
Uma coluna mantida
No espaço nulo de outrora.
Fica na paisagem térrea
A dura memória da fome,
Lição que Espanha recebe
No seu sangue, e que a consome.
Alberto Magnelli. Roma: Ediozioni dell’Ateneo, 1964.
“L’opera di Magnelli è quindi il resultato di um’alleanza tra la cultura mediterranea,italiana – ma propriamente fiorentina – e la scoula di Parigi, che si sviluppò all’insegna dell’internazionalità. Magnelli è um artista senza teorie.”
“A obra de Magnelli é por conseguinte o resultado de uma aliança entre a cultura mediterrânea italiana – mais propriamente florentina – e a Escola de Paris, que se desenvolveu sob o signo da internacionalidade. Magnelli é um artista sem teoria.”
Italianissima (7 murilogrammi). Milão: Vanni Scheiwiller, 1965.
Calderara: pitture dal 1925 al 1965. Milão: All’Insegna del Pesce d’Oro, 1965.
A idade do serrote. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968.
Sebastiana
“[…] Sebastiana diz que tem uma vontade doida de ir a Minas Gerais, Mamãe diz mas Sebastiana você mora em Minas Gerais, ué gente, eu pensava que eu morasse em Juiz de Fora […]”
Convergência. São Paulo: Duas Cidades, 1970.
Grafito Num Muro de Roma
[…]
A eternidade criou tantos dédalos
Que já perde a noção do espaço.
Procurando homem por homem
Urbi et orbi
Procura-se a si mesma sem sua túnica:
Mínima. Finita. Ex.
[…]
Poliedro. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1972.
A Liberdade
[…]
“Nossa pequena fé acha-se condicionada por uma igualmente pequena imaginação; falta-nos a prodigiosa imaginação dos santos.”
Retratos- relâmpago: 1ª série. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1973.
Lichtenberg
“Se as pessoas quisessem narrar sinceramente seus sonhos, aí então o caráter do homem poderia ser interpretado melhor do que pela sua própria cara.”
Marrakech. Milão: All’Insegna del Pesce d’Oro, 1974.
Ipotesi. Org. de Luciana Stegagno Picchio. Milão: Guanda, 1977.
La Notte
Circondata di radiogrammofoni motociclette semafori
la notte non riesce a dormire / i suoi denti impazziti
stridono piú forte delle trombe strappate
ai pensieri di Mao in giro per le strade.
Transístor. Seleção do autor e de Maria da Saudade Cortesão Mendes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
“O pássaro absoluto voa sem vento, sem o dia nem a noite.”
Janelas verdes (primeira parte). Ilustração de Vieira da Silva. Lisboa: Galeria 111, 1989.
O Algarve
O Algarve é uma enorme praia de Portugal, redonda e quente, com amendoeiras, falésias, peixes azuis brasonados; aqui se fabricam os doces mais deliciosos e sonhadores do mundo, em particular os crismados Dom Rodrigo, que evocam doçuras bissextas da entretanto aguerrida Ximena.
Carta geográfica. 1965-1967.
Fragmentos de Paris
“O surrealismo, se não nasceu propriamente na cartesiana Paris, foi definido aqui.”
Espaço espanhol. 1966-1969. Notas de viagem.
Madrid
“A Espanha acha-se dividida entre o touro (paganismo) e a imagem do Cristo (com a da Virgem). A Igreja, muitas vezes ao lado do touro.”
Janelas verdes (segundo parte). 1970. Prosa.
Nuno Gonçalves
“O enigma torna-se a sua lei, antes, durante, depois dos painéis. Ele se palpa, tenta adivinhar-se, não se reconhece idêntico; mas crê no homem.”
Retratos- relâmpago: 2ª série. 1973-1974.
Conversa portátil. 1971-1974. Miscelânea em prosa e verso.
A invenção do finito. 1960-1970.
Papiers. Originais em prosa e verso, em francês.
O sinal de Deus. Texto de 1936 com correções autográficas de 1956 no Instituto de Estudos Brasileiros da USP (reedição).
Quatro textos evangélicos (O paralítico de Betsaida, As núpcias de Cana, O Cristo aclamado, Judas Iscariote). Publicados postumamente, na revista Letterature d’ America, Roma, em 1984.
O infinito íntimo. 1948-1953. Inclui outros textos poéticos menores.